O Concílio de Hipona, também conhecido como Sínodo de Hipona Regia, foi um concílio regional africano da Igreja Católica, realizado em 393, no qual foi estabelecido o Cânon bíblico.
[thumb|right|170px|Santo Agostinho, líder do Concílio, num afresco do Século VI, da Basílica Lateranense.](Ficheiro:Augustine_Lateran.jpg "wikilink") Hipona (hoje Annaba) foi uma antiga cidade situada onde hoje se encontra o território da Argélia. No outono de 393, os bispos do Norte da África foram convocados à sede do episcopado, sob a liderança do bispo local, Valério, do Primaz de Cartago, Aurélio, e do então presbítero Agostinho, que assumiria o bispado três anos depois.
Visando reconquistar a unidade da Igreja – que aconteceria posteriormente graças ao carisma apologético de Agostinho1 – Santo Aurélio de Cartago cordialmente estendeu o convite e acolheu também aos bispos donatistas2 que, por estarem vinculados ao Antipapa Ursino, incorriam em cisma. O fato é que mais da metade dos bispos dessa região pertencia ao movimento donatista3.
O Papa Sirício, embora diligente na administração da Igreja, não participou deste sínodo regional. No entanto, as deliberações finais foram expressamente submetidas a ele, nestes termos: «Ad confirmationem huius canonis, Ecclesia trans mare consultatur» («Sobre a confirmação deste cânon, se consultará a Igreja do outro lado do mar», ou seja, Roma). Sob seu pontificado e ainda sobre a confirmação da lista dos livros inspirados, foram realizados outros dois sínodos regionais, um em 394 e outro em 397. O Papa Sirício, por sua vez, deu particular atenção à observância do cânon pelo clero e pelo laicato.
O Concílio discutiu e reafirmou a origem apostólica do celibato clerical4, definindo-o como um requisito para todos os ordenados.
No entanto, os bispos foram convocados sobretudo a fim de discutir e deliberar sobre a lista oficial dos livros que deveriam ser considerados como de divina inspiração e que, portanto, deveriam compor a Bíblia e ser proclamados no culto nas comunidades. A motivação nascia das dúvidas geradas no Século III sobre o emprego, pelos cristãos, dos livros assim chamados deuterocanônicos. As causas originavam-se das discussões com os judeus que, depois do Concílio de Jamnia – sínodo judaico realizado no início do Século II que, entre outras coisas, estabeleceu um cânon próprio – rejeitavam a canonicidade destes livros e de trechos de Ester, Cântico dos Cânticos e Daniel.
Alguns Padres da Igreja, por sua vez, também relataram tais questionamentos em seus escritos, como, por exemplo, Atanásio de Alexandria (373), Cirilo de Jerusalém (386), e Gregório de Nazianzo (389); ao passo que outros mantiveram-nos como inspirados, como, por exemplo, Basílio de Cesareia (379), Agostinho de Hipona (430), Jerônimo de Estridão (420) e Leão I (461).
As discussões do Concílio se concentraram, todavia, sobre uma lista que já havia sido proposta no Sínodo de Laodiceia, em 363, e pelo Papa Dâmaso I, em 382.
Ainda que os originais do documento conciliar tenham se perdido, seu Summarium foi transcrito e devidamente aprovado no Concílio de Cartago, nestes termos:
[thumb|left|200px|A Vulgata, versão latina da Bíblia, composta à época do Concílio por São Jerônimo, a partir da Septuaginta.](Ficheiro:_Vulgata_Sixtina.jpg "wikilink") A Bíblia cristã, portanto, possuía 71 livros (ou 73, se, ao contrário da Septuaginta, contarmos Jeremias, Lamentações e Baruque distintamente): 44 no Antigo Testamento e 27 no Novo Testamento. O Cânon definido pelo Concílio de Hipona é adotado pela Igreja Católica também atualmente5. A Igreja Ortodoxa o aceita6, acrescentando-lhe outros textos, como III Macabeus, IV Macabeus, Odes de Salomão, Prece de Manassés, Saltério de Salomão, além do Salmo 151: prática também adotada pela Igreja Anglicana, não obstante rejeitar o Salmo
Mesmo que Martim Lutero tenha traduzido e publicado na sua célebre versão alemã da Bíblia todos os livros cânon hipônico, os Protestantes adotam as decisões deste Concílio apenas no que tange à definição do Cânon para o Novo Testamento, excluindo os deuterocanônicos, considerados por eles como apócrifos no Antigo Testamento, conforme os judeus a partir do Concílio de Jamnia.
Seja como for, o Cânon estabelecido por este sínodo foi posteriormente confirmado pelo III Concílio de Cartago7, em 397, e reafirmado em 1441 pela resolução Decretum pro Iacobitis8, do Concílio de Florença e, finalmente, em 1546, por meio do decreto De Canonicis Scripturis9, do Concílio de Trento.
Flaviano Amatulli Valente."Diálogo con los Protestantes". Navarrete. Apóstoles de la Palabra. 1983
Manuel de Tuya, José Salguero. "Introducción a la Biblia", Tomo I Biblioteca de Autores Cristianos Madrid, 1967
Bob Stanley. "El Canon de la Escritura" Jl 12, 1999
Fonte original: concílio de hipona. Compartilhado com Creative Commons Attribution-ShareAlike 3.0 License
Cross, F. L., ed. The Oxford dictionary of the Christian church. New York: Oxford University Press, 2005 ↩
Bengt Hägglund. História da Teologia. Porto Alegre: Concórdia, 1995 ↩
Franca Ela Consolino. L'Adorabile Vescovo d'Ippona. Calábria: Rubbettino, 2001. ↩
Concilium Florentinum, Decretum pro Iacobitis: DH 1330-1331 ↩
Concilium Tridentinum, Decretum de Canonicis Scripturis'': Appendix ↩